“Jesus manifestou a sua glória e seus discípulos creram nele” (Jo 2,12). Foi em Caná da Galileia que o fato ocorreu, por ocasião de uma festa de casamento celebrada durante vários dias de acordo com os costumes da época. Tendo faltado o vinho, verdadeiro desastre numa comemoração do gênero, o vexame se impunha e alguém precisava encontrar uma saída. Justamente Maria, a Mãe de Jesus, pressurosa no serviço e atenta a todos, sabendo quem era Seu Filho, faz a hora acontecer! Antecipa os tempos e provoca o milagre do vinho da melhor qualidade. E todos puderam testemunhar que o verdadeiro noivo era Jesus e as bodas eram as sonhadas núpcias de Deus com Seu povo, celebradas num alto monte, com um grande banquete oferecido ao povo escolhido. Vinho novo e carnes gordas! A beleza plástica com que o quarto Evangelho descreve os fatos é incrível!
Surpreende o fato de que o primeiro dos sinais, como São João chama os milagres, tenha ocorrido numa festa de casamento. Uma visão estreita do modo de Jesus agir teria esperado uma cura de um enfermo ou outros prodígios que, de fato, o Senhor realizou. Aliás, gestos Seus foram, em outra ocasião, questionados por uma mentalidade tacanha que pensava no quanto poderia render o dinheiro gasto com bons perfumes usados como gesto de delicadeza com o próprio Jesus (cf. Jo 12,1-8). Em Caná, o milagre é o da alegria, símbolo dos tempos messiânicos. Deus não nos quer apenas sem enfermidades ou assistidos em nossas necessidades básicas, mas nos quer felizes daquela alegria, cuja fonte só se encontra n’Ele. Jesus é Deus e pode tudo, mas não dispensa a participação humana. Entram em cena a sensibilidade de Maria, os servos, o mordomo que prova o vinho novo, o noivo elogiado e os espectadores de todos os tempos, nos quais estamos incluídos, com nossas lutas, alegrias, angústias e esperanças. Com elas poderemos, depois, voltar às propostas de Caná.
Antes, algumas constatações. As diversas épocas da história trouxeram impasses para as pessoas e os grupos, muitas vezes suscitando clamor por soluções milagrosas. Também o mundo em que vivemos cria para si mesmo encruzilhadas desafiadoras e são complicados os seus componentes. Brincando com coisas sérias, dá-se um realce desproporcional aos direitos individuais, sem dúvida importantes. Todos querem apenas exigir a sua parte no bolo dos bens, sem pensar que vai faltar para alguém. A avalanche do consumo e o endeusamento das leis de mercado, a desenfreada busca do prazer e, daí por diante, geram um desconforto entre as várias classes sociais, espalham a violência e criam perplexidade transformada em perguntas sobre o futuro. De repente, o Brasil imenso, cultivando uma imagem de imunidade diante da crise financeira internacional, começa até a desconfiar que não é suficiente, nem mesmo o potencial energético de que se considera detentor. A festa do consumo, a impunidade ou a farra de uma imensa balada irresponsável se revelam frágeis. Até o justo desejo de autonomia e desenvolvimento podem ficar comprometidos. De repente, alguém percebe que o vinho acabou!
Assista a pregação “Maria, a intercessora nas Bodas de Caná” :
Mesmo no miúdo do dia a dia das famílias, dá para perceber que a instabilidade das uniões e a fugacidade dos relacionamentos têm trazido uma sensação de que algo não vai bem. É quase impossível, para quem tem um mínimo de bom senso, não ver que o futuro de tantas crianças, cuja imagem de família está absolutamente esfacelada, será desastroso. A falta da sadia polarização entre homem e mulher, pai e mãe, já faz sentir seus efeitos. Aberto o leque, muitas são as situações nas quais nossa humanidade clama por milagres! Como desatar o nó do futuro? A nós cristãos cabe o desafio de participar de todas as lutas e buscas de saídas honrosas, dignas dos filhos e filhas de Deus.
Com sabedoria, o Papa Bento XVI alertava, no Dia Mundial da Paz – 2013, que “para sair da crise financeira e econômica atual, que provoca um aumento das desigualdades, são necessárias pessoas, grupos, instituições que promovam a vida, favorecendo a criatividade humana para fazer da própria crise uma ocasião de discernimento e de um novo modelo econômico. O modelo que prevaleceu nas últimas décadas, apostava na busca da maximização do lucro e do consumo, numa óptica individualista e egoísta que pretendia avaliar as pessoas apenas pela sua capacidade de dar resposta às exigências da competitividade. Olhando de outra perspectiva, porém, o sucesso verdadeiro e duradouro pode ser obtido com a dádiva de si mesmo, dos seus dotes intelectuais, da própria capacidade de iniciativa, já que o desenvolvimento econômico suportável, isto é, autenticamente humano, tem necessidade do princípio da gratuidade como expressão de fraternidade e da lógica do dom” (Bento XVI, Mensagem para o dia Mundial da Paz 2013, n. 5).
Aqui estão algumas propostas “ingênuas”, à disposição em Caná e na Igreja. A receita do milagre vem da Virgem Maria. A última de suas palavras registrada nos evangelhos parece testamento de quem ama muito seus pósteros: “Fazei tudo o que Ele disser!” (Jo 2,5). Sua recomendação precisa ressoar de novo em todos os recantos. Muito mais do que milagres estrondosos, acreditamos num caminho a ser percorrido, cujo nome é evangelização. Acreditar na Palavra de Jesus Cristo e colocá-la em prática transforma as consciências, corações e obras. Quem faz esta escolha cumpre todas as leis existentes, convive na sociedade, mas tudo supera por implantar, onde que passe, a lei do amor a Deus e ao próximo. Só que isso não faz barulho. É como árvore que cresce e se consolida para produzir bons frutos.
Milagre consistente se faz com gestos simples. Encher talhas de água ou sair pelas ruas e tratar chagas e consolar as pessoas, acolher o drogado que alguém considera restolho na sociedade, buscar soluções para idosos ou abandonados, sentar-se para ouvir, corrigir com ternura, não complicar a vida, atender com boa vontade numa repartição, coisas de servos, dos servos de Caná revividos em nós. Vale experimentar!
A recuperação do valor do Sacramento do Matrimônio, malgrado as estatísticas, faz parte do receituário oferecido por Aquele que é médico do corpo e do espírito. Na educação dos filhos, incluam os pais o valor dos mandamentos, a dignidade da família unitária e estável, fiel e fecunda. Quem olhar ao redor poderá encontrar bons exemplares dessa “raça de gente”, da melhor espécie de ser! O milagre pode estar ao alcance de nossas mãos, depende só de nosso sim”.
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém – PA