É comum que as pessoas procurem direção espiritual para se orientar quanto ao estado de vida que vão seguir ou quanto à profissão que vão exercer. Para descobrir isso, no entanto, é necessário dar um passo atrás. Assim como uma casa não pode ser bem construída se não tem um bom alicerce, não é possível que sigamos em frente sem que esteja assegurada a consciência de nossa vocação à santidade, que recebemos pelo sacramento do Batismo.
Como bom discípulo de Aristóteles, Santo Tomás de Aquino sabia que as coisas se definem por sua causa final, por aquilo para que servem. Por isso, ele inicia a primeira seção da segunda parte (chamada de prima secundae) de sua Suma Teológica indagando justamente qual o fim último do homem. Ao final, o Aquinate conclui, com Santo Agostinho, que este fim é a bem-aventurança [1] e que ela não consiste nem nas riquezas, nem nas honras, na fama, no poder, no prazer ou em algum dos bens criados, senão em Deus mesmo:
“É impossível estar a bem-aventurança do homem em um bem criado. A bem-aventurança é um bem perfeito, que totalmente aquieta o desejo, pois não seria o último fim, se ficasse algo para desejar. O objeto da vontade, que é o apetite humano, é o bem universal, como o objeto do intelecto é a verdade universal. Disto fica claro que nenhuma coisa pode aquietar a vontade do homem, senão o bem universal. Mas tal não se encontra em bem criado algum, a não ser só em Deus, porque toda criatura tem bondade participada. Por isso, só Deus pode satisfazer plenamente a vontade humana, segundo o que diz o Salmo 102: ‘Que enche de bens o teu desejo’. Consequentemente, só em Deus consiste a bem-aventurança do homem”[2].
Hoje, as pessoas vivem com a cabeça no futuro, estudando para trabalhar e trabalhando para acumular dinheiro… Mas, ao final de suas cansativas e atarefadas existências, sobra apenas um sentimento de vazio, porque todas elas passam o hoje pensando apenas no amanhã – e, um dia, com a morte, o amanhã não vem; porque transferem o sentido de tudo o que fazem para este mundo – e a luz deste mundo, mais cedo ou mais tarde, para de brilhar. É preciso admitir que, se a vida tem realmente um sentido, ele se encontra fora da vida. Se essa existência, transitória, tem razão de ser, essa razão só pode ser eterna e transcendente. Caso contrário, como pregaram os filósofos existencialistas, só existe o nada. Tertium non datur.
Realmente, se Deus não existisse, não só a existência humana seria um absurdo como o próprio homem seria um animal defeituoso. Afinal, enquanto todos os animais encontram o objeto de seus desejos na natureza, o homem, mesmo que se lhe deem fama, sucesso, dinheiro e prazer, permanece insatisfeito. Na verdade, essa sede aparentemente insaciável do ser humano aponta para o alto: “ Feciste nos ad Te, Domine, et inquietum est cor nostrum donec requiescat in Te – Criastes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração vive inquieto enquanto não repousa em Vós” [3].
Feciste nos ad Te. Eis uma verdade essencial para toda a nossa vida: fomos feitos para Deus! Por isso, não só não nos pertencemos, como devemos dirigir todos os nossos atos a Ele. Caso contrário, tudo perde o seu sentido.
Antes de trilhar uma vocação específica, portanto, é preciso que purifiquemos a nossa intenção. Muitas pessoas perseguem um determinado estado de vida ou uma determinada carreira deixando de lado a verdadeira causa final, que dá fundamento às suas vidas e ordena todas as coisas. Não raramente elas demoram em encontrar a sua vocação, porque descuidaram do seu primeiro chamado, agindo como se a vida tivesse sentido em si mesma.
O famoso psicólogo Viktor Frankl, que passou a Segunda Guerra Mundial nos campos de concentração da Alemanha, dizia que “o homem (…) pode suportar tudo, menos a falta de sentido” [4]. Uma pessoa pode ser bem ou mal sucedida, mas se olha para as realidades terrenas sub specie aeternitatis, todas as coisas se lhe tornam leves. A finalidade da vida, definitivamente, é geradora de saúde e o fim último de nossa existência não está aqui, mas em Deus.