O mundo atual padece de uma grave epidemia: a falta de rumo. As pessoas, em geral, não têm ideia de qual é a sua finalidade última. A falta de direção atinge não somente as pessoas, mas a própria Igreja como um todo e isso tem uma causa muito clara: a imanentização do fim último do ser humano.
Parece ser algo muito difícil de se compreender, mas não é. Primeiro é preciso recordar que a finalidade da vida humana está na vida eterna, da mesma forma que a finalidade da história está na meta-história, a finalidade do mundo está fora dele e assim por diante [01]. Todavia, por causa da acusação marxista de que falar de vida eterna, de céu, inferno etc., é alienante, atualmente ninguém mais fala sobre esses temas, temendo justamente ser tachado de “alienado”. A imanentização, portanto, é centrar-se no hoje, naquilo que pode ser experimentado. É o agora.
Ocorre que deixar de falar da finalidade última do homem destrói a vida espiritual como um todo e até mesmo as virtudes que se tenta ordenar tornam-se sem sentido por falta de direção. Por isso, é preciso potencializar justamente a virtude que permite a ordenação de todas as outras: a virtude da prudência.
Na linguagem comum, a palavra “prudência” significa uma espécie de cautela, esperteza… mas, na tradição da filosofia perene, de Santo Tomás de Aquino, é a virtude que dispõe os meios para se alcançar o fim. Ora, o ser humano em seu agir tem uma finalidade, uma direção, diferentemente dos animais, por exemplo, que quando amanhece, esperam pelo anoitecer e quando anoitece, pelo amanhecer e assim dia após dia. Eles não têm uma meta, não têm uma vocação. Mas o agir humano tem essa meta, tem sede de realização, isso é inegável e pode ser comprovado apenas com um olhar para dentro de si mesmo.
A partir disso, o homem passa a determinar os meios que precisará dar para alcançar o seu fim último, a sua realização. Ora, estando num ambiente de Igreja, por exemplo, em que ninguém mais fala do céu, da vida eterna, mas, ao contrário, conclamam para trabalhar e fazer uma “sociedade mais justa”, “um mundo melhor” o que ocorre é que claramente mudou-se o fim. Nesse momento, todo o edifício mora e, toda espiritualidade caem por terra.
Jean Lauand, em sua obra “Prudência, a virtude da decisão certa”, afirma que “para Tomás de Aquino, sem a prudência não há nenhuma virtude”[02]. Trata-se de uma afirmação bastante grave e o autor cita Tomás em outra frase não menos chocante, retirada do “Comentário às sentenças”, quando diz que “sem a prudência, as demais virtudes quanto maiores fossem, mais danos causariam.” Ora, se uma pessoa é casta, mas a finalidade de sua castidade não é o céu, essa pessoa simplesmente não é casta. A sua castidade não é virtude, é cosmético, boas maneiras, mas não virtude.
Diante disso é possível vislumbrar a tragédia que assola a Igreja Católica. O silêncio a respeito do céu, da vida eterna, do fim último está levando ao esvaziamento das virtudes. Na Suma Teológica, Santo Tomás responde à pergunta: “Pode haver prudência nos pecadores?”[03] dizendo:
A prudência pode ter três sentidos. Há, com efeito, uma prudência falsa, ou por semelhança. Com efeito, dado que o homem prudente é aquele que dispõe acertadamente o que deve ser feito em vista de um fim bom, todo aquele que dispõe, em vista de um fim mau, algumas coisas conformes a este fim, possui uma falsa prudência na medida em que toma como fim não um bem verdadeiro, mas uma semelhança de bem; (…)
A segunda prudência é verdadeira porque enconra os caminhos adequados ao fim verdadeiramente bom, mas é imperfeita por dois motivos. Primeiro, porque este bem que ela toma como fim não é fim comum de toda vida humana, mas de alguma coisa especial. (…) O segundo motivo, é que falta aqui o ato principal da prudência. É o caso daquele que delibera com acerto e julga exatamente, mesmo a respeito daquilo que concerne à vida inteira, mas não comanda eficazmente.
A terceira prudência, verdadeira e perfeita ao mesmo tempo, é aquela que delibera, julga e comanda retamente em vista do fim bom da vida toda.
Ora, a epidemia mencionada reside justamente na alta incidência de prudência imperfeita, pois as pessoas não escolhem realizar o fim último de suas vidas, que é a vida eterna. E, infelizmente, a prudência imperfeita, diz Santo Tomás, “é comum aos bons e aos maus, sobretudo aquela que é imperfeita em razão de seu fim particular”.
O que se vê comumente é que as pessoas procuram a direção espiritual para resolver problemas próximos, imediatos e, sim, é possível resolvê-los topicamente, contudo, se não for ordenado o fim último (céu, santidade, servir a Deus etc.), as virtudes de que se dispõe de nada adiantam, pois não são verdadeiramente virtudes, conforme já visto.
Uma distinção importante acerca da prudência deve ser feita também, pois existe a prudência adquirida e a prudência infusa. Quem explica é o Padre Reginald Garrigou-Lagrange em sua obra “As três idades da vida interior”, volume III, capítulo 8, quando diz que aquele que possui a prudência verdadeira escolhe o que em filosofia clássica de denomina fim honesto, em vez do fim útil que pode até ser bom, mas não é o verdadeiro. Já o fim honesto pode ser alcançado de duas maneiras: pela razão, quando então é chamada de prudência adquirida que é boa, necessária e deve ser cultivada; e pela fé, denominada prudência infusa, pois a revelação, a graça propicia ao homem enxergar melhor certas coisas.
O Pe. Garrigou-Lagrange ensina que promover o fim honesto racional é procurar viver a castidade, a humildade e a paciência, pois essas três ações colaboram para que atitudes prudentes sejam tomadas. De forma clara, significa usar a inteligência para colocar em ordem os apetites: concupiscível com a castidade, irascível com a paciência e a vontade com a humildade.
Mas isso só não basta: quando o homem conhece a caridade, a cruz de Cristo enxerga que há algo mais. Uma outra prudência nasce e diz que o seu fim último não é somente aquele que a razão alcança, mas um que foi revelado. A partir da caridade, a virtude da prudência passa a crescer de forma extraordinária, tal como a dos santos. E ela se torna princípio de ação, enquanto que a falsa prudência – epidêmica – faz com que as pessoas não decidam nada.
A prudência infusa é iluminada pela fé e faz com que o homem viva em sintonia com a caridade, com o amor de Cristo, levando-o cada vez mais a se doar, como os santos, de tal forma que, aos olhos humanos, certas atitudes podem ser tomadas até mesmo como imprudentes, mas no fundo são atos de verdadeira prudência, pois é como Nosso Senhor Jesus Cristo ensinou: “quem quiser se salvar vai se perder, mas quem se perder por amor a mim, vai se salvar”[04]. Essa é a verdadeira prudência.